Glória está em débito com essas páginas, D. Antonieta vai ter que esperar. Preciso falar sobre ela, essa velha está entalada no gogó e não sai! Já adianto que quase morreu em meus braços. Preciso começar. Acendo um cigarro, tomo um café ou fico espantada? Sempre prevalecendo a última opção.
D. ANTONIETA: A ELEGANTE SENHORA QUE CAI.
De qualquer forma, Glória está muito entretida no livro de Nelson Rodrigues: "O Óbvio Ululante" e não consegue largar o livro. Beija o livro, chora de emoção ao terminar uma crônica, se masturba, fica relendo a mesma frase e varia a inflexão uma dezena de vezes e ontem se ajoelhou em agradecimento a Nossa Senhora de Fátima, mamãe Oxum, Papai Oxóssi, Crihsna e Ganesha, por ter colocado o livro ao alcance do olhar. Esse livro é conhecido pra Glória, já o leu e releu. Mas essa releitura está sendo transformadora e se não mata, ao menos agasalha a saudade de um Rio de paralelepípedos, segredos nas esquinas, preguiça da menina na tarde de sábado. Olha o pai, esse ser inatingível, bota o elefante em cima do barril de chopp e os vizinhos passam distraídos, compridos e que davam sempre três batidinhas na cabeça dela, como se pra conferir a habitação da locatária, a miúda, cabeça e olhos tão grandes e nenhuma palavra. Careca. Glória foi uma criança careca. Maresia alta.
Glória está embriagada, as duas mãos postas, como uma ex-coroinha regenerada.
"A grande dor não se assoa." Glória anda com o livro pra cima e pra baixo como se ele a defendesse de assaltos, olho gordo, possíveis crimes, temidas paixões, anseios inesperados e qualquer espécie de fome. Toma banho com o livro em cima de um banquinho, de frente pra ela, e esfrega os cabelos, sem tirar os olhos de sua capa amarela.
"Obrigada Nelson, obrigada Otto Lara", é o que Glória não se cansa de repetir.
"Saudades do Rio, do cheiro de maresia, do Bebê Lanches, da livraria da Travessa do Centro, da pizza de catupiry da Guanabara, dos patins que animavam a orla, daquela ilha, ali, bem no fundo, esquadrilha da fumaça e biscoito O Globo. Mate Leão. Saudades das casas dos outros."
Suspira Glória ao retornar a fuça de novo pra dentro do livro e sem olhar a bruma que cai por cima de uma São Paulo vertiginosa.
Aqui, estou no vigésimo andar, e ainda assim, sinto a areia do Leblon nos olhos.
Ela precisa retornar à vida e contar de Dona Antonieta.
D. Antonieta e D. Lurdes, suas vizinhas octogenárias, irmãs solitárias.
domingo, 1 de março de 2009
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1 comentário:
Olha, está cheio de novidades, 2 posts e uma play list, eu tinha parado na D. Antonieta. Tempo pra ler está dificil... Já está virando uma escolha:saio com o bofe novo ou pego esse livro no tranco? Toco meu projeto eu começo o mundo de sofia? ".Atrasei, desculpe, tava terminando um capitulo." Vivo a minha vida ou a dos outros? E o livro ali olhando pra gente...
Jorge o novo gatinho, sentado no teclado manda um alô.
Bjs C.
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