terça-feira, 26 de janeiro de 2010

AULAS SOBRE TRAGÉDIA

Um amigo meu dramaturgo, ator e diretor talentoso, vai dar um curso sobre TRAGÉDIA aqui em São Paulo e me pediu sugestões de pauta.
Não consegui dar as tais dicas, mas refleti um pouco sobre o tema e aqui está.
Curso de tragédia?
Bom, se quer sugestões de pauta, caminhe pelas ruas de São Paulo amanhã quando a chuva descer.
Foi o que fiz hoje. Tive que ir até o Butantã.
São Paulo fede. Da Pompéia, passando por Pinheiros, chegando na Vital Brasil... Fede.
Que nos perdoem nossos cineastas tão limpinhos, com seus filmes tão reluzentes, puro verniz, mas o nosso país tem cheiro.
A favela não é um camafeu.
Graças a Deus, por um lado. Só faltava morarmos dentro do Projac. Dentro da casa do BBB.
E moramos. Essa é a tragédia.
O que temos aqui embaixo,no sotão do mundo, chama-se água, lama e muita sujeira.
Uma tragédia.
Não precisamos ir muito longe, né?
Não precisamos nem chegar no Haiti. Lá é outra história. É o flagelo de Deus.
(Como diria Nelson Rodrigues, nos idos de 68:
"Parem de chorar por Cuba. E o Brasil? Não precisamos nem ir até o Nordeste como quer o Doutor Alceu, basta ir até Magé. Magé já é uma boa cólica, não?")
A nossa tragédia diária é sempre mais apocalíptica do que imaginamos - ou sequer, suportamos.
A tragédia é sempre diária. São as pequenas mortes do dia-a-dia, pequenas omissões, um olhar descuidado e ferino que nos atravessa.
A tragédia é aquele detalhe que passa despercebido e de repente se transforma em morcego e cresce na gente e numa noite escapa, desarvorado, pra longe, nos deixando com saudade.
A tragédia é não dormir, não acordar, virar do avesso.
É ser abandonado.
É ter um psicanalista (como eu) que surta, nos deixando perplexos, sem receita!
É perder um dente no país dos banguelas.
É querer descansar e não ter onde. E escapar pela orla, beirando a lagoa sem enxergar nem uma nem outra, porque tudo dói e a dor é maior do que qualquer beleza.
É fugir e não conseguir escapar, é o calor de cem graus do Rio de Janeiro, que durante a noite nos expõe aos olhares de todas as baratas passistas e tão descoladas que saltam famintas pra fora dos ralos fumegantes da cidade.
É a repetição. O eterno círculo vicioso. É estar consciente e não acender a chama da mudança;
É quando a família apodrece e você se dá conta e está impotente.
é o suor encharcado da impotência.
E resumindo toda essa divagação de enchente: você tem muito humor - por sinal, brilhante - pra falar sobre tragédia!
Como se o verdadeiro humor não fosse trágico.
Leia Rilke. Ele aborda muito bem a trágica condição do homem. Acometido pela "coisa grande", inominável.
Ah, não saber amar é uma puta tragédia!
Talvez a maior de todas. E provavelmente,
a única.