terça-feira, 7 de maio de 2013

Para Ana C.

Hoje briguei com S. porque ele disse não gostar da Ana Cristina Cesar.
 "Poesia marginal dos anos 70, datada, poeta menor", arriscou.
 Ele, que não escreve mais nada.
 Ressenti. Quando dei por mim, perdia alguns dentes. Trinquei a mão na fechadura.
 Mas não me movi.
 Disse-lhe coisas terríveis.
 Mais amarga que café.
 Só não mordi seus dedos peludos em respeito ao meu tratamento de canal – recente e caríssimo. Três parcelas em cheques pré.
 Datado.
 Quando já havia esquecido ele retomava o assunto
 Porra!
Minha exaltação retórica se transformou em violência física.
Cinco anos de Kung Fu.
Ele saiu batendo a porta e ganindo alto.
 Desse jeito assim
 Não vai sobrar
Ninguém
Confessei segredos de vitrô pra primeira cigana que encontrei pela frente.
A estação da Sé estilhaçava promessas não cumpridas.
Um futuro abissal pela frente. Depois gargalhou do alto de seus oitenta anos e me tomou cinquenta reais.
A banguela ardia em brasas toda satisfeita. Sem créditos, voltei pra casa a pé. Profeta de araque. Dei uma esganadinha no gato assim que entrei. Em seguida, liguei para o disque-denúncia. (Alguém pode não gostar da Ana Cristina Cesar?) Cidade Cão.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

No Coração das Trevas de Realengo

"Os impuros não poderão me tocar sem luvas." Wellignton Menezes de Oliveira
Fenda.
Mundo Cingido.
Esquizofrenia.
- Ah, é só uma fase. Ele é esquisito mesmo - dizemos enquanto nos afastamos, apressados.
Ato irresponsável e descriminador.
Sim, tenho pena do menino que atirou nas doze crianças. Aprender a olhar os dois lados. Que foi um crime bárbaro e cruel é o óbvio ululante. Ele é um monstro ponto. Ponto. Ponto e vírgula. Reticências. Interrogação. Dois pontos? Melhor mudar o assunto. Rápido. Estamos todos tão inebriados no lodo do horror que não ousamos levantar nossas vistas turvas e pesadas pela preguiça. Infelizmente, a realidade é um pouquinho mais complexa e exige certo esforço de compreensão. Não basta dividir a humanidade entre bons e maus. Se fosse assim, o teatro não existiria. Nem a literatura. Sinto que esse rapaz foi negligenciado. A sociedade precisa encarar seus fantasmas de frente. Não existem heróis nem vilões nessa estória. A vida não é uma novela da Globo. Está bem mais próxima de uma novela de Dostoiévski.
A carta que Wellington deixou tem um conteúdo metafisico religioso muito forte, próximo inclusive da psicologia dos personagens dostoeivskianos, enlameados numa viela sem saída em busca da pureza inexistente.
Perseguidos pelo fantasma da solidão.
Isolados e submersos no meio dessa fenda, náufragos num labirinto sem fim que espelha o próprio abismo cingido.
Impotentes diante das vozes que não silenciam.
Quem silencia somos nós diante do indecifrável.
Ódio mortal por aquilo que foge da lógica. Aquilo que não compreendemos.
Aquilo que está fora do alcance.
Como diria o Coronel Kurtz em "O Coração das Trevas":
"O horror. O Horror."
O horror somos nós.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Cisne Negro

“Cisne Negro” – não é sobre sapatilhas, joanetes ou dores na lombar. Alías, essa tendência dos críticos de ressaltarem a perfumaria de um trabalho e nunca se darem ao luxo de irem mais fundo, é pura insegurança. Coisa de quem treme diante da Criação. E gagueja. E hesita. E luta com o bicho papão como um garoto mimado e assim, paralisado, boca aberta, dedo em punho, eles enchem o papel de jargões cinematográficos. Desfilam uma sabedoria vazia sobre planos sequência, fotografia e afins.
“Cisne Negro”, vai mais fundo do que a bela fotografia e a movimentação de câmera (que é incrível, diga-se de passagem). E às vezes, diante do abismo, ficamos mesmo sem palavras. Seria bom se um dia, um crítico tivesse a coragem de dizer: estou sem palavras. Não porque gostei. Mas porque não sei. Mas aí ele não seria crítico.
Nos dar o direito à dúvida é a suprema liberdade, mas como diz Antonio Abujamra: “Enforque-ce com a corda da liberdade”.
Darren Aronofsky conseguiu tecer a misteriosa teia da existência com maestria. E ainda teve a competência de criar um filme acessível, popular, imerso no subterrâneo do inconsciente humano - sem o recurso débil das luvas antissépticas - nos engolhindo a todos numa torrente diabólica de imagens e memórias, tragados por essa caverna movediça!
Bato palmas.
“Cisne Negro” invade aquele espaço reservado. Aquele porão vazio, escuro, cheio de fungos e escorpiões. Arranca de lá alguns fantasmas, velhos conhecidos, antigos amigos, espectros algozes. Um espaço que sempre procuro visitar, mas que como todo visitante, fico por alguns instantes e vou embora correndo. Quando criamos, somos obrigados a morar algum tempo por ali. E, seja o talento do criador: grande, médio, pequeno ou anão (talento não se mede) fato é, que temos que encarar nossos escorpiões, ratazanas e baratas, para que brote algo novo.
“Cisne Negro” é bárbaro, no sentido mais infame e vil da bárbarie. É sufocante. Porque não dá brecha pra fuga. Não tem escapatória. Nem indo morar bem longe. O cisne negro está aqui e estará sempre. Quando saí do cinema, estava gelada, perdida e ainda não encontrei minha casa. Hoje moro num terreno baldio que fica ao lado da cama. O filme estupra, amaldiçoa, queima. Tudo o que um dia Picasso disse fazer quando pintava um quadro.
Graças a Deus, existem autores contemporâneos criando algo profundo, terrível e belo sem perder a habilidade de ser popular ao mesmo tempo. Respeitando a natureza de seu tempo.
Por que não?

terça-feira, 22 de março de 2011

ÓLEO DE LOURENZO

Chego na Puc atrasada. Estava de bom humor. Quase serelepe.

Sala de projeção, todos sentados, vidrados na tela. Olho e acho que é uma alucinação.

É o filme "Óleo de Lorenzo"? Era. Suzan Sarandon ainda não sabia o diagnóstico fatal. Ainda dava tempo de fugir. Demoro a decidir hipnotizada pelos olhos de Suzan. A professora do outro lado me vê. Sento. Decido não me envolver, sou forte; tenho bom senso. Posso aguentar essa barra. Já vi esse filme, é um melodrama americano. A senhora não vai conseguir me torturar! Não hoje. O meu dia correu bem, consegui pagar minhas contas, corri, trabalhei, estive em reuniões, mantive o humor e não fumei! Eu tinha ido pra uma inocente aula de literatura portuguesa. Eu tinha me preparado! Eu ouvi Beatles no caminho.

"Eleanor Rigby"

Suzan Saradon acaba de saber. Reação perfeita. Puta atriz! Ainda não é hora de se comover, sou forte, ainda temos um auschwitz pela frente. Esse cara também é bom, como é mesmo o nome dele? Nick Nolte, sua Alzheimer! E esse garotinho? Quem descobriu? Por que esses atores mirins de Hollywood são tão bons e nossos atores mirins de novela são tão estereotipados? Eu não vou chorar. Pode ter a a crise que quiser, seu fedelho! Olha ele andando torto... Que gracinha, trabalho corporal incrível, não? Será que estou na sala certa? Meu Deus, eu não reconheço ninguém!! Eles não são da minha turma! Isso aqui deve ser o curso de medicina! Era só o que faltava! Estou tendo aula de doenças raras: Adrenoleucodistrofia.

Logo hoje que estava de bom humor. Um garoto punk ri do outro lado, me viro e o reconheço. Ele é de LETRAS, da minha sala, infelizmente estou no local certo. E ele continua rindo... Eu também quero rir. Como faz? Desaprendi, estou acorrentada nos olhos esbugalhados de Suzan. Por que essa professora está fazendo isso com a gente? Ninguém chora. O menino-grande-ator-mirim já perdeu a visão. Ninguém chora. A professora continua imóvel, dentro do pelotão de fuzilamento. Estou decidida a não perder meu humor, ralei muito por ele! Esse moleque deve ter tido uma boa preparadora de elenco, uma Fátima Toledo, um Capitão Nascimento. Vou me concentrar nisso. Onde estará esse eterno Lorenzo digno de Oscar? Será que ficou drogado tipo o "Esqueceram de Mim"? Ninguém chora. O garotinho começa a ter crises parecidas com epilepsia. Só que piores. Penso em Dostoiévski. Penso em Machado. Não vou embarcar nessa. Vou sair agora. Já deu. Meu limite é esse. Preciso de um cigarro. A Suzan Sarandon é magnética e me prende como um imã. Seus olhos são um eterno espanto. Ela deve sofrer de HIPOTIREOIDISMO. Talvez morra tragicamente. Estou nutrindo um ódio crescente por ela. Eu estava feliz. Eu comi um Kebab de falafel com suco de melancia no almoço. Penso em todas as crianças orfãs. O Kebab morre. Penso em todas as crianças doentes sem condições de pagar um tratamento decente. O falafel mingua. Penso no Brasil. No Haiti. Vou ligar pra minha terapeuta. Estou pensando em vidas passadas. Estou pensando em vidas futuras. Vou num orfanato amanhã. Eu devia ter feito curso de medicina. Existem tão poucos médicos! Temos poucos hospitais. O suco de melancia se transforma em sangria.

Preciso ajudar. Preciso ter fé. Alguma religião. Preciso fazer trabalhos voluntários. Agora o grande- ator- mirim- futuro- Macaulay-Culkin já está cego, surdo, mudo e tetraplégico. Preciso ligar pros meus irmãos, dizer que amo muito cada um deles.

Eles vão achar isso muito estranho. Vão achar que estou preparando um suicídio. Melhor não. Vão lançar um alarme familiar. Daqui a pouco recebo visitas inoportunas. Amo muito todos eles, mas cada um no seu canto. Assim mantemos uma relação saudável. Impertubável. Estou aqui pro que der e vier. Mas liga antes.

Preciso sair dessa toca, o kebab está em apuros aqui dentro, o menininho grita na tela, o suco de melancia naufraga em mares escuros. Vou ligar pros meus amigos, dar um grade abraço. A vida é dura. Vou fumar. Ninguém chora. O menino punk ri do garotinho engasgando com comida e óleo, uma espécie de azeite de oliva que não cura. Meu estômago está ressentido e grita igual ao menino. Comer é um milagre!

Preciso usar a mesma droga do menino punk que mascla um eterno chiclete. Por que a doutora em língua portuguesa está fazendo isso com a gente? Por que estou me sentindo culpada? Por que escolhi Letras? Por que estou aqui? Por que sou? Por quê?

Eu tinha saído de casa, comi kebab de falafel, não fumei, paguei minhas contas, fui em reuniões odiosas. E agora, isso. Tudo foi por água abaixo. Amanhã acordo cedo, eu faço o que posso, me dedico, trabalho na periferia, é longe, sou professora também, minha senhora. Ela pelo jeito não sente nada. É uma imunidade!

Não vou dormir mais.

Isso é uma lágrima? E está caindo da minha cara? Pensa na preparadora de elenco! Não é possível, eu já vi esse filme!

Pronto, estou vermelha. Pronto, estou soluçando. Meu Deus, estou morrendo sufocada! Ele é o assassino e não a vítima! Por que esse moleque não morre logo e nos poupa desse show de horrores?

Isso faz parte da vida. O Kebab é ilusão. Isso é a vida. A vida é um martírio. E eu feliz por um suco de melancia que agora geme ao som de "Eleanor Rigby".

Suzan Saradon segura mais a onda do que eu. Ela é forte, ela tem bom senso. Ela é mãe!

Sou uma catástrofe porque não sei fugir. Eu fico. Sou presa fácil pro Lourenzo. Ele sim, sabe como atrair suas vítimas

Suzan diz que só quem tem filho entende a dor.

Não quero ter filhos. Nunca mais!

Estou desacordada.

O que é isso?

Estão me levando pro pronto socorro da faculdade?

Eu tinha saído de casa pra assitir uma aula de literatura portuguesa!

Percebo ainda meio sonâmbula que estou sendo carregada por estudantes de medicina que, desavisados, passavam pelo local!

Lourenzo está sendo procurado? Espero que sim. Foram três tiros.

Eu sou inocente. Meu único crime foi estar um pouco alegrinha porque tinha comido um kebab.

Só isso.

Por que quando começa uma alegria, vem logo um "Óleo de Lourenzo" em cima?

Vou voltar ao meu rosto antigo pra não sofrer mais ataques assim.

sábado, 24 de abril de 2010

O Poeta Do Castelo (1959)



babbabbbabbbbbbbbbb nnaaaaaaaaaaaaaan naaaannnnnnnnnnnn.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A voz

http://www.youtube.com/watch?v=AOLg_XY2cWA
Lhasa De Sela.
Tem gente que nasce, ilumina nossos recantos mais escuros e morre, deixando-nos perplexos, boquiabertos diante do precipício, hipnotizados pela féerica luz. De volta à escuridão, não reagimos. Ainda magnetizados pelo pequeno feixe de um sol que passou. Essa nesga, ela perdura. É a voz.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

AULAS SOBRE TRAGÉDIA

Um amigo meu dramaturgo, ator e diretor talentoso, vai dar um curso sobre TRAGÉDIA aqui em São Paulo e me pediu sugestões de pauta.
Não consegui dar as tais dicas, mas refleti um pouco sobre o tema e aqui está.
Curso de tragédia?
Bom, se quer sugestões de pauta, caminhe pelas ruas de São Paulo amanhã quando a chuva descer.
Foi o que fiz hoje. Tive que ir até o Butantã.
São Paulo fede. Da Pompéia, passando por Pinheiros, chegando na Vital Brasil... Fede.
Que nos perdoem nossos cineastas tão limpinhos, com seus filmes tão reluzentes, puro verniz, mas o nosso país tem cheiro.
A favela não é um camafeu.
Graças a Deus, por um lado. Só faltava morarmos dentro do Projac. Dentro da casa do BBB.
E moramos. Essa é a tragédia.
O que temos aqui embaixo,no sotão do mundo, chama-se água, lama e muita sujeira.
Uma tragédia.
Não precisamos ir muito longe, né?
Não precisamos nem chegar no Haiti. Lá é outra história. É o flagelo de Deus.
(Como diria Nelson Rodrigues, nos idos de 68:
"Parem de chorar por Cuba. E o Brasil? Não precisamos nem ir até o Nordeste como quer o Doutor Alceu, basta ir até Magé. Magé já é uma boa cólica, não?")
A nossa tragédia diária é sempre mais apocalíptica do que imaginamos - ou sequer, suportamos.
A tragédia é sempre diária. São as pequenas mortes do dia-a-dia, pequenas omissões, um olhar descuidado e ferino que nos atravessa.
A tragédia é aquele detalhe que passa despercebido e de repente se transforma em morcego e cresce na gente e numa noite escapa, desarvorado, pra longe, nos deixando com saudade.
A tragédia é não dormir, não acordar, virar do avesso.
É ser abandonado.
É ter um psicanalista (como eu) que surta, nos deixando perplexos, sem receita!
É perder um dente no país dos banguelas.
É querer descansar e não ter onde. E escapar pela orla, beirando a lagoa sem enxergar nem uma nem outra, porque tudo dói e a dor é maior do que qualquer beleza.
É fugir e não conseguir escapar, é o calor de cem graus do Rio de Janeiro, que durante a noite nos expõe aos olhares de todas as baratas passistas e tão descoladas que saltam famintas pra fora dos ralos fumegantes da cidade.
É a repetição. O eterno círculo vicioso. É estar consciente e não acender a chama da mudança;
É quando a família apodrece e você se dá conta e está impotente.
é o suor encharcado da impotência.
E resumindo toda essa divagação de enchente: você tem muito humor - por sinal, brilhante - pra falar sobre tragédia!
Como se o verdadeiro humor não fosse trágico.
Leia Rilke. Ele aborda muito bem a trágica condição do homem. Acometido pela "coisa grande", inominável.
Ah, não saber amar é uma puta tragédia!
Talvez a maior de todas. E provavelmente,
a única.