quinta-feira, 7 de maio de 2009

Poema atrás da porta – o último

Ó lua, que consciência de morte, hoje me trás!
Como a solidão se faz vizinha e é funda.
E a sua pequena companheira,
A estrela,
Nem sabotou o encontro que aqui,
Arqueja em mim, numa ânsia
A vontade de transpor, viajar, invadir
Sair daqui só por hoje
E viver
Mas é no papel que eu me lanço e esbarro na palavra que se não dissolve, amansa.
Apoio-me na escuridão,
Nas broncas,
Num pendor antigo, em notas baixas, sem chance de prêmio.
Sou descalça.
Ao sétimo andar, eis a locação do anseio.
Ó lua transfigurada,
Como agarrar a pérola em que se engrandece tu?
Ao que chegou, como chegarei eu, bem atrás?
Guia-me.
É preciso. Resolva-me
Necessário.
Castigos e mais castigos, são omitidos. Embaixo dos lençois, desdenho-me até desbaratar e finalizar num uivo indecifrável de cigarra.
Multas embaixo da porta, telefonemas sem fim, trotes
Se no meio dos outros, me falsifico
E se sozinha, vou-me igual
Previsível o pé na estrada, no lombo do corvo, enternecida.
Previsível o abismo
Previsível a ternura
Previsível até, o clarão de espanto.
Se no peito do outro, calo.
Me cubro de disfarces, me enalteço, encanastrada e gloriosa
Vampira inflada no seio da noite, sem percalços.
Mesmo nessa entrega
Sussurros de volúpia
Nos braços do outro, vigiou-se A resposta, e atenta
Tremo
Me doou...,
Tremo
Confesso...,
Tremo
Persigno-me no quarto ao lado, tremo
Tremo
Tremo
Dou aquelas aliviantes e necessárias três baforadas seguidas
No cigarro de ontem
E gargalho mentiras
Sou maquiagem esgarçada, meticulosa pintura que borra e não dilui nem um centímetro em sua desconfiança recíproca, a máscara acovardada ante o rosto inapto, ressentida, rangendo os dentes sob a própria boca que pintada de vermelho, procura, em alguma palavra,
Um auxílio, uma exatidão.
Pose mirim, analfabeta de sentimento
– ou seria falta de jogo de cintura?
Quebro o silêncio do encontro, com entrada mecânicas
Frases espirituosas,
Ironia sobre o amor
Fumo mais, bebo
Não durmo, viro zumbi,
Se nos braços do outro
Volto a ser de uma infantilidade abusiva, crescente
Quase violência em deitar
E esmago aquele corpo que pulsa ao lado, estrangeiro
Como a criança esmaga
O flagrante impúbere, desnecessário
Anêmonas odiosas em seu esplendor de queda
Se nos braços do outro,
Sou ridícula, mais ainda
Volto a ser estrábica e veemente
Retorno aos passos vacilantes do primeiro ano, xixi nas calças, cadarços impotentes diante do nó.
Vazio entre a palavra que vêm e a outra que vai, frívola, nauseada
Ó lua, não desça tanto ainda
Não suma! Não se mova!
Se assim, como estou
Sem os braços do outro em torno, ou os beijos, mordidas no meio do sono
Salva, à margem da correnteza, sem riscos na ressaca, barraca e sombra, água rasa entre os dedos dos pés...
Me alimento melhor,
Durmo mais,
Não bebo nada, sou sólida!
Mas sinto o sangue e o medo, levarem as cores que se movem, latentes
Aqui dentro
Seiva bruta
Fulguração intensa de vitrais.
Ó lua
Arqueje, fale, explicite pois,
Sinalize, não renegue
Diga
Estou no meu único dia de silêncio
Prestes a ceder,
A ter fé, a respirar o novo e irrevogável
(bom anfitrião?)
odor do destino
Sou anfígena, cresço em todos os sentidos
Hoje, só hoje, eis a exceção dos deuses
Por isso, espere
Lua,
Não recrimine, não me espante descendo rápido assim
Sou tua
Sim, sou tua
Ai de mim...
De Alguém!
Sou tua. Quero ser
Me arraste, me areste
Pode submeter-me à sua luz desigual
Pode me trair e me vencer sou tua
E se o abandono, à meu temor arrasta
Não me esqueça ao acaso brando
Lute consigo lua,
Lute comigo
E não finjas que me deixas vencer, sou hábil e feiticeira também,
Prevejo a queda muito antes, eis a tragédia antiga, o sei, não tentes me enganar com seu sorriso de marfim,
Não. Sejamos ao menos, e uma única vez,
Honestas,
Violentas, honestas
Conosco, sim, ao mundo, erguendo bandeiras, saberes?
vamos até o fim de tudo
São sete mares e não seis,
Disseram,
Ouvi
Nos encontremos em outra época, usufruto
Sem passar somente, ou pairando sobre,
Deixemo-nos atravessar por essa vida, nessa outra época
Porque esta aqui, a que me enlaça, já me desgastou a tal ponto que não me sirvo mais, não me caibo, destrambelhei num acesso louco e não posso nunca mais surgir diante de mim, assim, insone,
Perdida, perdida
O espelho não confia mais, nos olhos
Estou atrás de toda a seriedade e imploro, compreende?
Imploro perdão na sacristia, parei no tempo
Devoradora integral, acabou o que se iniciava, implodiu.
Foi tu, lua – outra máscara que se pregou sem aviso prévio?
E contentes com a confusão, as meninas de outra época, andam de mãos dadas, são novas, estão decididas a compartilhar o segredo, juntas.
Me atravessa agora
Repito
É a última chance
E a mais negra
Rasgue com o teu esplendor,
O véu que me impede.
Merda, quero!
Por que não vir num enleio? Elo? Não abarcar com a sua doçura, a dor?
Por que deixar a mulher adulta
Morta, escola, recreio – bolor? E ainda?
Não.
Estou cheia lua, enorme! Explodo em ânsias.
Um trem.
Não existe retorno, vagas, caminho
Só o fim.
Seja paternalista, lua, seja mater-dolorosa,
Sangre por mim,
Devolva-me
Agora que durmo, lua
Já durmo sim, recompus a medida
Estou mesmo encurralada – no sonho?
Repito endividei-me contigo.
Somos duas rivais, morenas.
Você aí
Eu aqui
Nenhuma chance
Tememos
Se foi
Partiu
E num golpe mudo
E só o silêncio devolve
A dor que não se sentiu.

07/05/09