Quando Glória chegou em casa, sentiu o peso do silêncio das plantas. Elas não se moviam. Silenciou também. Estava mais estranha do que o normal. Sua enorme necessidade de abraçar Jeremias, culminou em dor de barriga. Queria agarrar esse gato, morder, engolir, tamanha era essa necessidade, que se afastou perigosa. Jeremias também sentia falta de Veridiana. Glória olhou o seu altar, mistura de imagens bíblicas, Budas, Santos Indianos e claro, mamãe Oxum. Já era final de ano, algo terminava. O Natal e suas luzinhas irritantes impreganavam a cidade. Uma vontade de... Ela não conseguia nominar a sua vontade. Estava tão cansada, dores nas costas e nos ombros, o buraco do dente continuava ali. Não teve tempo de ir ao dentista, de caminhar, nem de sonhar. Jeremias, solidário a esse começo de dor, nem saiu. A porta da casa continuava aberta, ele espiou, ensaiou alguns passinhos e retornou carinhosamente pra dentro de Glória. Deitou ao seu lado, ela continuava olhando os santos. Queria rezar e não sabia o que tão urgentementemente precisava pedir.
Agradeceu.
A dor não passou.
Não era dor, era uma poltrona branca no canto da sala.
Glória entendia alguma coisa do que se sucedia dentro dela, esse mormaço imenso, mistura de sonhos perdidos e a urgência de conseguir tocar ainda os poucos que sobravam e que pareciam querer escapar. Sentiu uma vontade tão grande de invadir o mundo... Outras florestas, outros suores.
E de repente despertou, descobriu.
Esse vazio um pouco grande demais para uma sexta-feira, era algo que tinha a ver com as palavras. Entendeu assombrada de delicadeza que ela era criminosa consigo mesma, pois que tentava se explicar aos outros, tentava se fazer compreender e quanto mais insistia nisso, maiores os equívocos. Hoje no jantar, conversara e tentara se explicar, se convencer para que o outro a compreendesse. Isso a tinha deixado exausta e agora descobria que não era coisa de um único jantar e sim de anos a fio.
Saudade de alguém que não precisasse tocar com palavras, que o simples gesto da mão que enrolava um interminável fio de cabelo no restaurante fosse suficiente para um sorriso cúmplice.
Reconfortante.
Saudade do pai, da mãe que não teve e que ansiou, do irmão que viria e que ela negligentemente, afastou.
De Veridiana que encheu sua casa de alegria e juventude com suas histórias mirabolantes e fantásticas. O seu frescor praiano.
De Jane, Andressa, Thiago, Marcelo, Débora, Daniel, Vinicius, Tiaguinho, Wilson, Dona Elza, Priscila, Thaís, Bruno e todos os alunos do Ceu que encheram o seu ano de...
Afeto.
Glória teve vontade de se olhar no espelho e ver o que o tempo fazia.
Se reteve.
Contemplou a falta de quadro em uma das paredes.
Contemplou seu cansaço.
Os cartões que caiam da estante com o vento que entrava.
Sussurrou algo no ouvido de Jeremias.
Pensou que a melhor resolução pro novo ano que entrava, seria calar mais e não explicar mais nada.
Ser mais organizada.
E mesmo cansada, não evitar as visitas.
Veridiana veio e foi único sol.
Viraram a noite conversando, lembrando coisas, chegando a conclusões descabidas, repudiando as conclusões no momento seguinte e rindo das histórias que cada uma contava sobre -cada uma a seu modo - suas tentivas inconfessáveis de sobrevivência no mundo.
Glória refletiu se era possível viver a vida sem colo.
Saudade de uma porção de coisas Glória teve e agora seu irmão desistira de vir pois que não tinha mais passagens aéreas baratas.
Glória sentiu o peso dessa ausência.
Mesmo cansada, mesmo esgotada, nada seria mais reconfortante do que a presença fraterna do irmão.
Decidiu tomar um banho e fazer planos para o próximo mês, o próximo ano, os próximos anos e viu que tudo isso eram jogos mentais para sobreviver a esse minuto.
Esse minuto, onde ela existia no banho. Com Jeremias na janela esperando o banho terminar para dormirem juntos, mesmo que por pouco tempo, pois ele logo seria expulso.
Glória tentou então existir nesse momento.
Sem culpas, sem arrependimentos, sem medos ou possíveis coragens.
Glória tentou existir nesse momento.
Com culpas, com arrependimentos, com medos e as possíveis coragens.
Tudo doía muito, então pensou em coisas boas como: jujuba, paralelepípedo, nuvens que parecem bichos, o gosto salgadinho que fica no corpo depois do banho de mar, uma massagem relaxante nos pés, ler "A menina sem estrela" ao pé do ouvido, ler as poesias da Ana Cristina César com os pés na grama e ora mirando o poema, ora mirando a paisagem, lembrou de uma coisa da infância chamada Maria Fumaça, os girassóis de Van Gogh, o barulho do envelope sendo rasgado misturado com a ansiedade de receber uma carta sem remetente.
Os olhos de T. O sorriso de E.
O medo de S.
Tomou o banho e não se secou. Ainda molhada e em pé de frente pra janela da sala, abriu os longos braços e deixou que o vento entrasse.
E a cobrisse.
Agradeceu.
A dor não passou.
Não era dor, era uma poltrona branca no canto da sala.
Glória entendia alguma coisa do que se sucedia dentro dela, esse mormaço imenso, mistura de sonhos perdidos e a urgência de conseguir tocar ainda os poucos que sobravam e que pareciam querer escapar. Sentiu uma vontade tão grande de invadir o mundo... Outras florestas, outros suores.
E de repente despertou, descobriu.
Esse vazio um pouco grande demais para uma sexta-feira, era algo que tinha a ver com as palavras. Entendeu assombrada de delicadeza que ela era criminosa consigo mesma, pois que tentava se explicar aos outros, tentava se fazer compreender e quanto mais insistia nisso, maiores os equívocos. Hoje no jantar, conversara e tentara se explicar, se convencer para que o outro a compreendesse. Isso a tinha deixado exausta e agora descobria que não era coisa de um único jantar e sim de anos a fio.
Saudade de alguém que não precisasse tocar com palavras, que o simples gesto da mão que enrolava um interminável fio de cabelo no restaurante fosse suficiente para um sorriso cúmplice.
Reconfortante.
Saudade do pai, da mãe que não teve e que ansiou, do irmão que viria e que ela negligentemente, afastou.
De Veridiana que encheu sua casa de alegria e juventude com suas histórias mirabolantes e fantásticas. O seu frescor praiano.
De Jane, Andressa, Thiago, Marcelo, Débora, Daniel, Vinicius, Tiaguinho, Wilson, Dona Elza, Priscila, Thaís, Bruno e todos os alunos do Ceu que encheram o seu ano de...
Afeto.
Glória teve vontade de se olhar no espelho e ver o que o tempo fazia.
Se reteve.
Contemplou a falta de quadro em uma das paredes.
Contemplou seu cansaço.
Os cartões que caiam da estante com o vento que entrava.
Sussurrou algo no ouvido de Jeremias.
Pensou que a melhor resolução pro novo ano que entrava, seria calar mais e não explicar mais nada.
Ser mais organizada.
E mesmo cansada, não evitar as visitas.
Veridiana veio e foi único sol.
Viraram a noite conversando, lembrando coisas, chegando a conclusões descabidas, repudiando as conclusões no momento seguinte e rindo das histórias que cada uma contava sobre -cada uma a seu modo - suas tentivas inconfessáveis de sobrevivência no mundo.
Glória refletiu se era possível viver a vida sem colo.
Saudade de uma porção de coisas Glória teve e agora seu irmão desistira de vir pois que não tinha mais passagens aéreas baratas.
Glória sentiu o peso dessa ausência.
Mesmo cansada, mesmo esgotada, nada seria mais reconfortante do que a presença fraterna do irmão.
Decidiu tomar um banho e fazer planos para o próximo mês, o próximo ano, os próximos anos e viu que tudo isso eram jogos mentais para sobreviver a esse minuto.
Esse minuto, onde ela existia no banho. Com Jeremias na janela esperando o banho terminar para dormirem juntos, mesmo que por pouco tempo, pois ele logo seria expulso.
Glória tentou então existir nesse momento.
Sem culpas, sem arrependimentos, sem medos ou possíveis coragens.
Glória tentou existir nesse momento.
Com culpas, com arrependimentos, com medos e as possíveis coragens.
Tudo doía muito, então pensou em coisas boas como: jujuba, paralelepípedo, nuvens que parecem bichos, o gosto salgadinho que fica no corpo depois do banho de mar, uma massagem relaxante nos pés, ler "A menina sem estrela" ao pé do ouvido, ler as poesias da Ana Cristina César com os pés na grama e ora mirando o poema, ora mirando a paisagem, lembrou de uma coisa da infância chamada Maria Fumaça, os girassóis de Van Gogh, o barulho do envelope sendo rasgado misturado com a ansiedade de receber uma carta sem remetente.
Os olhos de T. O sorriso de E.
O medo de S.
Tomou o banho e não se secou. Ainda molhada e em pé de frente pra janela da sala, abriu os longos braços e deixou que o vento entrasse.
E a cobrisse.