"Todo amigo é inimigo. Todo inimigo, amigo. O consabido como diria o Rosa."
Otto Lara Resende
Você pede uma mão e recebe uma cusparada. Glória é uma imitadora. Uma vil imitadora. É o que andam dizendo. Nada é dela. Nem o buraco do dentre. E sobre o buraco já escreveram tão bem Freud e todos os prosadores, poetas e filósofos da história. "Então, Glória meta o seu buraco no meio do..." Onde? Em outro buraco? Que seja. Meta-o em algum fosso e páre de escrever sobre ele. Pedir a mão? Clarice já pediu mil vezes, não peça. Bom, então também não posso falar sobre meus furúnculos, insônias e analgésicos, porque com certeza todos os narradores da existência já divagaram sobre isso.
Não. Não pode. Não leia mais nada, não sinta fome, não vomite. Pois quem não poderá objetar que o seu vômito tem a mesmíssima cor do excremento vizinho?
O dente extraído de Glória, não é dela. E sim, patrimônio histórico da Academia Brasileira de Letras. Não pode chorar, a não ser em outra língua. Não pode espiar os bolos Bauducos alheios a não ser em estilo arcaico e não pode experimentar a existência metafísica de Deus, por já ser assunto gasto.
Glória está de mãos atadas. Que assunto poderá abordar pelos próximos dias? Se é que haverá um próximo dia. No momento ela se debruça sobre a janela, agarrada ao Colomba Pascoal Maxi Muito Mais Chocolate. E se tivesse uma fogueira, saltaria lampeira - lampeira não pode usar, pois um autor muito conhecido, gosta muito da palavra - desculpe-me então, saltaria frenética sobre a fogueira das vaidades. E deixaria-se chamuscar como uma Joana D'Arc, martirizada pelas próprias palavras - que já possuem um dono: os irrepreensíveis vigilantes da literatura mundial.
Glória se jogou do vigésimo andar. Está morta.
Quem a matou?
Um amigo, cheio de boas intenções.
Ou a própria Faculdade de Letras.
sexta-feira, 10 de abril de 2009
Semana Santa
Tem alguém rezando aqui atrás ou é impressão minha? Vou até acender um cigarro, fiquei nervosa. Eu moro entre uma igreja e um hospital. Achei que assim me sentiria mais segura, mas vejam só: estou com medo! O padre está rezando em latim e isso me trás reminiscências agudas e algumas urticárias. Remete a minha infância em Minas Gerais. Caio direto na rua dos Mercedes em Juiz de Fora. Estou lá agora e vejo um garoto descer a ladeira num carrinho de rolimã. Não. Essa memória não é minha. Eu não sou da época dos carrinhos de rolimãs. Isso é uma lembrança da minha mãe. É isso. Aqui estou eu de novo, roubando as lembranças dos outros. Coisa alías que gosto muito de fazer. Somar infâncias, quadros vertiginosos de paisagens infantis.
Deprimente foi ir sozinha ao supermercado escolher um ovo de Páscoa. Nos carrinhos dos outros vi vários ovos de tamanhos diferentes, para pessoas diferentes. E eu pensava se Jeremias não gostaria de dividir um ovo comigo. Gatos não gostam de chocolates e esse é o único defeito deles. Na maioria dos carrinhos femininos estava um bolo Bauduco. Fui lá na prateleira espiar. Acabei fazendo uma enquete com a massa de senhoras que se acotovelavam em volta dos mais diversos sabores de bolos. O que seria melhor? Levar um ovo Diplomata ou um desses bolos Bauducos? Tenho sofrido! A senhora de vestido laranja perguntou-me: "Depende. Pra quem que é?"
"Pra mim."
"Só pra você?"
"É..h. Sim. Só pra mim."
Mais corada que a melancia - devia ter levado a melancia e não o bolo - continuei tentando me equilibrar na difícil tarefa de existir. Que vergonha ter respondido aquilo. Ela continuou dizendo que em relação ao custo-benefício seria mais vantajoso eu levar o bolo, metade do preço do ovo. Cedi rápido. Ela tinha razão. Ela tinha razão. E se não tivesse nenhum ponto de razão, eu teria levado o que estava na minha mão do mesmo jeito, sem nem olhar. Queria sair dali. Daquela comemoração obscura, cheia de pupilas ávidas por açucares. Era o feriado do Açucar, de Santo não tinha nada. Na pré-Semana Santa, éramos todos baratas. Baratas família, baratas senhoras discretas, baratas putas, baratas de gravata, baratas solidárias e outras indecisas, como eu. E vim pra casa mais barata do que nunca, com o Colomba Pascal Maxi muito mais chocolate embaixo do braço.
Estou até agora olhando pra ele.
Às vezes seco as lágrimas no pano de prato esticado sobre o fogão.
Colomba Pascal Maxi. Que coisa mais casta!
Deprimente foi ir sozinha ao supermercado escolher um ovo de Páscoa. Nos carrinhos dos outros vi vários ovos de tamanhos diferentes, para pessoas diferentes. E eu pensava se Jeremias não gostaria de dividir um ovo comigo. Gatos não gostam de chocolates e esse é o único defeito deles. Na maioria dos carrinhos femininos estava um bolo Bauduco. Fui lá na prateleira espiar. Acabei fazendo uma enquete com a massa de senhoras que se acotovelavam em volta dos mais diversos sabores de bolos. O que seria melhor? Levar um ovo Diplomata ou um desses bolos Bauducos? Tenho sofrido! A senhora de vestido laranja perguntou-me: "Depende. Pra quem que é?"
"Pra mim."
"Só pra você?"
"É..h. Sim. Só pra mim."
Mais corada que a melancia - devia ter levado a melancia e não o bolo - continuei tentando me equilibrar na difícil tarefa de existir. Que vergonha ter respondido aquilo. Ela continuou dizendo que em relação ao custo-benefício seria mais vantajoso eu levar o bolo, metade do preço do ovo. Cedi rápido. Ela tinha razão. Ela tinha razão. E se não tivesse nenhum ponto de razão, eu teria levado o que estava na minha mão do mesmo jeito, sem nem olhar. Queria sair dali. Daquela comemoração obscura, cheia de pupilas ávidas por açucares. Era o feriado do Açucar, de Santo não tinha nada. Na pré-Semana Santa, éramos todos baratas. Baratas família, baratas senhoras discretas, baratas putas, baratas de gravata, baratas solidárias e outras indecisas, como eu. E vim pra casa mais barata do que nunca, com o Colomba Pascal Maxi muito mais chocolate embaixo do braço.
Estou até agora olhando pra ele.
Às vezes seco as lágrimas no pano de prato esticado sobre o fogão.
Colomba Pascal Maxi. Que coisa mais casta!
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