“Cisne Negro” – não é sobre sapatilhas, joanetes ou dores na lombar. Alías, essa tendência dos críticos de ressaltarem a perfumaria de um trabalho e nunca se darem ao luxo de irem mais fundo, é pura insegurança. Coisa de quem treme diante da Criação. E gagueja. E hesita. E luta com o bicho papão como um garoto mimado e assim, paralisado, boca aberta, dedo em punho, eles enchem o papel de jargões cinematográficos. Desfilam uma sabedoria vazia sobre planos sequência, fotografia e afins.
“Cisne Negro”, vai mais fundo do que a bela fotografia e a movimentação de câmera (que é incrível, diga-se de passagem). E às vezes, diante do abismo, ficamos mesmo sem palavras. Seria bom se um dia, um crítico tivesse a coragem de dizer: estou sem palavras. Não porque gostei. Mas porque não sei. Mas aí ele não seria crítico.
Nos dar o direito à dúvida é a suprema liberdade, mas como diz Antonio Abujamra: “Enforque-ce com a corda da liberdade”.
Darren Aronofsky conseguiu tecer a misteriosa teia da existência com maestria. E ainda teve a competência de criar um filme acessível, popular, imerso no subterrâneo do inconsciente humano - sem o recurso débil das luvas antissépticas - nos engolhindo a todos numa torrente diabólica de imagens e memórias, tragados por essa caverna movediça!
Bato palmas.
“Cisne Negro” invade aquele espaço reservado. Aquele porão vazio, escuro, cheio de fungos e escorpiões. Arranca de lá alguns fantasmas, velhos conhecidos, antigos amigos, espectros algozes. Um espaço que sempre procuro visitar, mas que como todo visitante, fico por alguns instantes e vou embora correndo. Quando criamos, somos obrigados a morar algum tempo por ali. E, seja o talento do criador: grande, médio, pequeno ou anão (talento não se mede) fato é, que temos que encarar nossos escorpiões, ratazanas e baratas, para que brote algo novo.
“Cisne Negro” é bárbaro, no sentido mais infame e vil da bárbarie. É sufocante. Porque não dá brecha pra fuga. Não tem escapatória. Nem indo morar bem longe. O cisne negro está aqui e estará sempre. Quando saí do cinema, estava gelada, perdida e ainda não encontrei minha casa. Hoje moro num terreno baldio que fica ao lado da cama. O filme estupra, amaldiçoa, queima. Tudo o que um dia Picasso disse fazer quando pintava um quadro.
Graças a Deus, existem autores contemporâneos criando algo profundo, terrível e belo sem perder a habilidade de ser popular ao mesmo tempo. Respeitando a natureza de seu tempo.
Por que não?
quinta-feira, 24 de março de 2011
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2 comentários:
Cisne Negro é sobre como "escalar o Himalaia de dentro".
Como morrer em vida para encontrar a si mesmo. É a dor do parto.
Como dizia Pessoa. "Pari meu ser infinito, mas tirei-me a ferros de mim mesmo".
Fico feliz que voltou, Priscila.
Siga.
Bjo
Valeu Philippe, adoro sua participação aqui! bjs
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