sexta-feira, 10 de abril de 2009

Semana Santa

Tem alguém rezando aqui atrás ou é impressão minha? Vou até acender um cigarro, fiquei nervosa. Eu moro entre uma igreja e um hospital. Achei que assim me sentiria mais segura, mas vejam só: estou com medo! O padre está rezando em latim e isso me trás reminiscências agudas e algumas urticárias. Remete a minha infância em Minas Gerais. Caio direto na rua dos Mercedes em Juiz de Fora. Estou lá agora e vejo um garoto descer a ladeira num carrinho de rolimã. Não. Essa memória não é minha. Eu não sou da época dos carrinhos de rolimãs. Isso é uma lembrança da minha mãe. É isso. Aqui estou eu de novo, roubando as lembranças dos outros. Coisa alías que gosto muito de fazer. Somar infâncias, quadros vertiginosos de paisagens infantis.
Deprimente foi ir sozinha ao supermercado escolher um ovo de Páscoa. Nos carrinhos dos outros vi vários ovos de tamanhos diferentes, para pessoas diferentes. E eu pensava se Jeremias não gostaria de dividir um ovo comigo. Gatos não gostam de chocolates e esse é o único defeito deles. Na maioria dos carrinhos femininos estava um bolo Bauduco. Fui lá na prateleira espiar. Acabei fazendo uma enquete com a massa de senhoras que se acotovelavam em volta dos mais diversos sabores de bolos. O que seria melhor? Levar um ovo Diplomata ou um desses bolos Bauducos? Tenho sofrido! A senhora de vestido laranja perguntou-me: "Depende. Pra quem que é?"
"Pra mim."
"Só pra você?"
"É..h. Sim. Só pra mim."
Mais corada que a melancia - devia ter levado a melancia e não o bolo - continuei tentando me equilibrar na difícil tarefa de existir. Que vergonha ter respondido aquilo. Ela continuou dizendo que em relação ao custo-benefício seria mais vantajoso eu levar o bolo, metade do preço do ovo. Cedi rápido. Ela tinha razão. Ela tinha razão. E se não tivesse nenhum ponto de razão, eu teria levado o que estava na minha mão do mesmo jeito, sem nem olhar. Queria sair dali. Daquela comemoração obscura, cheia de pupilas ávidas por açucares. Era o feriado do Açucar, de Santo não tinha nada. Na pré-Semana Santa, éramos todos baratas. Baratas família, baratas senhoras discretas, baratas putas, baratas de gravata, baratas solidárias e outras indecisas, como eu. E vim pra casa mais barata do que nunca, com o Colomba Pascal Maxi muito mais chocolate embaixo do braço.
Estou até agora olhando pra ele.
Às vezes seco as lágrimas no pano de prato esticado sobre o fogão.
Colomba Pascal Maxi. Que coisa mais casta!

2 comentários:

Anónimo disse...

Maravilhosa a observação de que todos os carrinhos femininos havia um bolo Bauducco. Mais ainda é a ironia em relação ao bolo, "muito mais chocolate", rs.
Minha família também é de Juiz de Fora, que engraçado...uma das minhas maiores frustrações é ainda não ter pisado os pés em Minas.
Ow Glória, chora não...me dá tua mão que eu arranco um dente e seremos dois banguelas a andar pelo bairro mais charmoso do mundo, observando tudo.

ana dundes disse...

entre rezas e reclames
uma musiquinha que vem do andar de baixo.

Jeremias terá finalmente encontrado a sua amada?

Ainda passearei por aqui, Dona Ilha.
Belo achado: o blog, a dona e o gato
Beijo, Priscila!